Criador da Apple impôs visão de simplicidade no mercado da tecnologia.
Da experiência com drogas às brigas, conheça a trajetória do empresário.
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Steve Jobs, fundador da Apple, morre aos 56 anos nos Estados Unidos (Foto: Moshe Brakha/AP) |
Morreu nesta quarta-feira (5) aos 56 anos o empresário Steven Paul Jobs, criador da
Apple, do estúdio de animação Pixar e pai de produtos como o Macintosh, o iPad, o iPhone e o iPad.
Idolatrado pelos consumidores de seus produtos e por boa parte dos
funcionários da empresa que fundou em uma garagem no Vale do Silício, na
Califórnia, e ajudou a transformar na maior companhia de capital aberto
do mundo em valor de mercado, Jobs foi um dos maiores defensores da
popularização da tecnologia. Acreditava que computadores e gadgets
deveriam ser fáceis o suficiente para ser operados por qualquer pessoa,
como gostava de repetir em um de seus bordões prediletos era
"simplesmente funciona" (em inglês, "it just works"), impacto que foi
além de sua companhia e ajudou a puxar a evolução de produtos como o
Windows, da Microsoft.
A luta de Jobs contra o câncer desde 2004 o deixou fisicamente
debilitado nos anos de maior sucesso comercial da Apple, que escapou da
falência no final da década de 90 para se transformar na maior empresa
de tecnologia do planeta. Desde então, passou por um transplante de
fígado e viu seu obituário publicado acidentalmente em veículos
importantes como a Bloomberg.
Foi obrigado a lidar com a morte, que temia, como a maioria dos
americanos de sua geração, desde os dias de outubro de 1962 que marcaram
o ápice da crise dos mísseis cubanos. "Fiquei sem dormir por três ou
quatro noites porque temia que se eu fosse dormir não iria acordar",
contou, em 1995, ao museu de história oral do Instituto Smithsonian.
"Ninguém quer morrer", disse, posteriormente,
em discurso a formandos da universidade de Stanford em junho de 2005,
um feito curioso para um homem que jamais obteve um diploma
universitário. "Mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem
morrer para chegar lá. E, por outro lado, a morte é um destino do qual
todos nós compartilhamos. Ninguém escapa. É a forma como deve ser,
porque a morte é provavelmente a melhor invenção da vida. É o agente da
vida. Limpa o velho para dar espaço ao novo."
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Na página da Apple, foto em homenagem ao
fundador (Foto: Reprodução) |
Homem-zeitgeist
A melhor invenção da vida, nas palavras do zen-budista Jobs, deixa a
indústria da tecnologia órfã de seu "homem-zeitgeist", ou seja, o
empresário que talvez melhor tenha capturado a essência de seu tempo.
Jobs apostou na música digital armazenada em memória flash quando o
mercado ainda debatia se não seria mais interessante proteger os CDs
para fugir da pirataria.
Ele acreditou que era preciso gastar poder computacional para criar
ambientes gráficos de fácil utilização enquanto as gigantes do setor
ainda ensinavam usuários a editar o arquivo "AUTOEXEC.BAT" para
configurar suas máquinas. Ele viu a oportunidade de criar smartphones
para pessoas comuns ao mesmo tempo em que o foco das principais
fabricantes era repetir o sucesso corporativo do BlackBerry.
Sob o comando de Jobs, a Apple dizia depender muito pouco de pesquisas
de mercado. “Não dá para sair perguntando às pessoas qual é a próxima
grande coisa que elas querem. Henry Ford disse que, se tivesse
questionado seus clientes sobre o que queriam, a resposta seria um
cavalo mais rápido", afirmou, em entrevista à revista "Fortune" em 2008.
Em 2010, quando perguntado sobre quanto a Apple havia gasto com
pesquisa com consumidores havia sido feito para a criação do iPad, Jobs
respondeu que "não faz parte do trabalho do consumidor descobrir o que
ele quer. Não gastamos um dólar com isso."
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Steve Jobs, fundador da Apple, morre aos 56 anos nos Estados Unidos (Foto: Moshe Brakha/AP) |
Nem sempre esta habilidade garantiu o sucesso da Apple, como na
primeira versão da Apple TV, computador adaptado para trabalhar com
central multimídia que não conseguiu um volume de vendas relevantes. Mas
Jobs conseguia minimizar os fracassos: no caso da Apple TV, ele dizia
que se tratava de um "hobby", um projeto pessoal que não fazia tanta
diferença nos planos da empresa.
Perfeccionista e workaholic, Jobs gostava de controlar todos os pontos
da produção da Apple, resistindo, inclusive, à decisão de terceirizar
gradativamente a fabricação dos produtos da companhia para fabricantes
chineses - plano proposto e executado pelo agora novo comandante da
companhia, Tim Cook, e que se mostrou acertado.
Conhecido como um “microgerente”, nenhum produto da Apple chegava aos
consumidores se não passasse pelo padrões Jobs de qualidade e de
excentricidade. Isso incluía, segundo relatos, o número de parafusos
existentes na parte inferior de um notebook e a curvatura das quinas de
um monitor. No dia do anúncio de que Jobs estava deixando o comando da
Apple, Vic Gundotra, criador do Google Plus, contou que recebeu uma
ligação do presidente da Apple no domingo para pedir que fosse corrigida
a cor de uma das letras do ícone do atalho do Google no iPhone.
Na busca por produtos que fossem de encontro com seu padrão de
qualidade pessoal, Jobs era criticado em duas frentes. Concorrentes e
boa parte dos consumidores que tentavam fugir da chamado "campo de
distorção da realidade" criado pela Apple reclamavam das diversas
decisões que faziam dos produtos da companhia um "jardim fechado",
incompatíveis com o resto do mundo e restritos a normas que iam além de
restrições tecnológicas. Tecnicamente sempre foi possível instalar
qualquer programa no iPhone, mas a Apple exige que o consumidor só tenha
acesso aos programas aprovados pela companhia.
Internamente, entre alguns de seus funcionários, deixou a imagem de
"tirano". Alan Deutschman, autor do livro “The second coming of Steve
Jobs", afirma que, ao lado do "Steve bom", o mago das apresentações tão
aguardadas pelo didatismo e capacidade de aglutinar o interesse do
consumidor, também existia o “Steve mau”, um sujeito que gostava de
gritar, humilhar e diminuir qualquer pessoa que lhe causasse algum tipo
de desprazer.
Ao jornal “The Guardian”, um ex-funcionário que trabalhou na Apple por
17 anos comparou a convivência com Steve com à sensação de estar
constantemente na frente de um lança-chamas. À revista “Wired”, o
engenheiro Edward Eigerman afirmou: “mais do que qualquer outro lugar
onde já trabalhei, há uma grande preocupação sobre demissão entre os
funcionários da Apple”. A mesma publicação contou que o
diretor-executivo não via problemas em estacionar sua Mercedes na área
da empresa reservada aos deficientes físicos -- às vezes, ele ocupava
até dois desses espaços.
Jobs também sempre precisou de um "nêmesis", um inimigo que ele
satanizava e ridicularizava em público como contraponto de suas ações na
Apple. O primeiro alvo foi a IBM, com quem disputou o mercado de
computadores pessoais principalmente no início dos anos 80. Depois, a
Microsoft, criadora do MS-DOS e do Windows. Mais recentemente, Jobs
vinha mirando o Google, gigante das buscas na internet cujo presidente
chegou a fazer parte do conselho de administração da Apple, e que
investiu no mercado de sistemas para smartphones com o Android. Jobs
ordenou que a Apple lutasse, mesmo que judicialmente, contra o programa
que ele considerava um plágio do iOS, coração do iPhone e do iPad.
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Steve Jobs (à direita), ao lado do antigo sócio
Steve Wozniak (Foto: Kimberly White/Reuters) |
Do LSD ao Mac
O sucesso empresarial de Jobs é ainda um dos principais resquícios da
transformação da contracultura dos anos 60 e 70 em mainstream nas
décadas seguintes. A companhia que hoje briga para ser a maior do mundo
foi fundada após Jobs ir à Índia em 1973 em busca do guru Neem Karoli
Baba. O Maharaji morreu antes da chegada de Jobs, mas o americano dizia
que havia encontrado a iluminação no LSD.
"Minhas experiências com LSD foram uma das duas ou três coisas mais
importantes que fiz em minha vida", disse, em entrevista ao "New York
Times". Depois, afirmou que seu rival, Bill Gates, seria "uma pessoa
(com visão) mais ampla se tomasse ácido uma vez". O LSD foi a mesma
droga que fascinara o inventor do mouse e precursor do ambiente gráfico,
Douglas Englebart, cerca de dez anos antes de Jobs.
Coincidentemente foram o mouse e o ambiente gráfico os inventos que
chamaram a atenção de Jobs na fatídica visita ao laboratório da Xerox em
Palo Alto, em 1979. É uma das histórias mais contadas e recontadas do
Vale do Silício, e as versões variam entre acusações de espionagem
industrial à simples troca pela Apple de patentes que a Xerox não teria
interesse em desenvolver por ações da companhia, que abriria seu capital
no ano seguinte.
Fato é que a equipe de Jobs voltou da visita encantada com a metáfora
do "desktop" utilizada pelo Xerox Alto. A integração entre ícones
representando cada uma das funções do computador, acessadas por meio de
uma seta comandada por um mouse, foi a base do Apple Lisa e,
posteriormente, do Macintosh.
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Steve Jobs, em uma das últimas aparições à frente
da Apple (Foto: Robert Galbraith/Reuters) |
Com o "Mac", enfim, Jobs conseguiu colocar em prática a visão de que
havia desenvolvido em parceria com o amigo e sócio Steve Wozniak,
responsável pela criação das soluções técnicas que fizeram dos primeiros
computadores da Apple máquinas que mudaram o cenário da computação "de
garagem" que vinha se desenvolvendo nos Estados Unidos nos anos 70.
Agora, 8 anos após a fundação da empresa, Jobs e "Woz" apresentavam um
computador que não era feito para "o restante de nós".
"Algumas pessoas acreditam que precisamos colocar um IBM PC sobre cada
escrivaninha para melhorarmos a produtividade. Não vai funcionar. As
palavras mágicas especiais que você precisa aprender são coisas como
'barra Q-Z'. O manual para o WordStar, processador de texto mais
popular, tem 400 páginas. Para escrever um livro, você precisa ler um
livro - e um que parece um mistério complexo para a maioria das
pessoas", afirmou Jobs em entrevista publicada pela Playboy americana de
fevereiro de 1985.
Na frase, Jobs demostra que queria enfrentar a IBM, gigante nascida no
início do século e que, depois de dominar o mercado de servidores
corporativos, queria tomar também o setor de computadores pessoais. Para
ele, as máquinas da IBM eram feitas "por engenheiros e para
engenheiros", e havia a necessidade de criar algo para o "restante", ou,
como diria a famosa campanha "Pense diferente" da Apple de 1997, um
computador para "os loucos, os desajustados, os rebeldes (..), as peças
redondas encaixadas em buracos quadrados".
Saída da própria empresaMas o sucesso do Mac - que
viria posteriormente a impulsionar a adoção de ambientes gráficos até
mesmo entre os computadores da IBM (com o Windows, criado pela
Microsoft) - não evitou que Jobs acabasse demitido de sua própria
companhia. As disputas internas entre equipes que queriam investir no
mercado corporativo e as que apostavam apenas no consumidor fizeram com
que John Sculley, vindo da Pepsi à convite do próprio Jobs, convencesse o
conselho de administração de que era hora da empresa se livrar de seu
fundador.
Durante a década em que esteve fora, Jobs fez dois investimentos que
acabaram, de maneiras diferentes, alavancando o mito em torno de seu
"toque de midas". No primeiro, pagou US$ 10 milhões pela problemática
divisão de computação gráfica da LucasFilm, empresa de George Lucas
responsável por franquias do cinema como Star Wars e Indiana Jones. A
nova empresa foi batizada de Pixar, e após emplacar sucessos como “Toy
story”, “Vida de inseto”, “Monstros S.A.” e “Procurando Nemo”, acabou
sendo adquirida pela Disney por US$ 7,4 bilhões em 2006. No processo,
Jobs se transformou no maior acionista individual da companhia de Mickey
Mouse.
O outro investimento foi a semente não apenas do retorno de Jobs à
Apple, mas teve relação direta com o surgimento da World Wide Web,
invenção que impulsionou o crescimento da internet no mundo. Com a NeXT,
Jobs desenvolveu computadores poderosos indicados para o uso
educacional e desenvolvimento de programas. Um terminal NeXT foi usado
por Tim Berners-Lee como o primeiro servidor de web do mundo, em 1991.
Em dezembro de 2006, a Apple adquiriu a NeXT, manobra que serviu para
incorporar tecnologias ao grupo e trazer Jobs de volta para o comando da
companhia.
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Steve Jobs com seu sucessor no comando da
Apple, Tim Cook (Foto: Kimberly White/Reuters) |
O retorno de Jobs marca o início de uma era de crescimento para a Apple
incomum na história do capitalismo americano. A sequência de sucessos -
alguns atrelados a mudanças no paradigma de mercados importantes -
inclui o MacBook, o tocador digital iPod, a loja virtual iTunes, o
iPhone e o iPad. A maioria destes produtos veio de ideias impostas pelo
próprio Jobs. À revista “Fortune”, em 2008, Jobs falou sobre sua tão
aclamada criatividade - "sempre aliada ao trabalho duro", como ele mesmo
enfatizou. "Não dá para sair perguntando às pessoas qual é a próxima
grande coisa que elas querem. Henry Ford disse que, se tivesse
questionado seus clientes sobre o que queriam, a resposta seria um
cavalo mais rápido."
Nesta segunda passagem, Jobs reforçou ainda o legado de um empresário
ímpar, que impunha uma visão holística na criação, desenvolvimento e
venda de seus produtos, Do primeiro parafuso ao plástico que embalaria a
caixa de cada aparelho, passando por custo, publicidade, estratégia de
vendas.
Sigilo na vida pessoal
A mesma discrição que Jobs impunha na vida profissional - os
lançamentos da Apple sempre foram tratados como segredo, aumentando a
gerar um movimento de especulação que acabava servindo como publicidade
gratuita - foi adotada em sua vida pessoal. Por isso, a luta do
executivo contra o câncer no pâncreas foi tratada com muito sigilo,
dando margem a uma infinidade de boatos.
Em 2004,
Jobs fez tratamento após descobrir um tipo raro da doença. Durante o ano de 2008, Jobs foi aparecendo cada vez mais magro e os
boatos aumentaram, até que ele anunciou em janeiro de 2009 seu afastamento da diretoria da empresa para cuidar da saúde. No início de 2011,
novo afastamento, até que, em agosto, Jobs deixou de vez o comando da Apple.
"Eu sempre afirmei que se chegasse o dia em que eu não fosse mais capaz
de cumprir minhas obrigações e expectativas como CEO da Apple, eu seria
o primeiro a informá-los disso. Infelizmente, este dia chegou",
afirmou, em comunicado.
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Steve Jobs apresenta o iPhone 4, em junho de
2010 (Foto: Robert Galbraith/Reuters) |
A vida reservada fez, por exemplo, que Jobs não tivesse contato direto
com sua família biológica. Nascido em 24 de fevereiro de 1955 em San
Francisco, filho dos então estudantes universitários Abdulfattah John
Jandali, imigrante sírio e seguidor do islamismo, e Joanne Simpson, foi
entregue à adoção quando sua mãe viajou de Wisconsin até a Califórnia
para dar à luz.
Segundo o pai biológico, os sogros não aprovavam que sua filha se
casasse com um imigrante muçulmano. Lá, ele foi adotado por Justin e
Clara Jobs, que moravam em Mountain View. Seus pais biológicos depois se
casaram e tiveram uma filha, a escritora Mona Simpson, que só descobriu
a existência do irmão depois de adulta.
Do pai adotivo, herdou a paixão de montar e desmontar objetos. Assim
como Paul, Steve não chegou a ser um especialista em eletrônicos, mas ao
aprender os conceitos básicos conseguiu se aproximar das pessoas certas
no lugar certo. Vivendo no Vale do Silício, conheceu Steve Wozniak,
gênio criador do primeiro computador da Apple. Trabalhou na Atari até
decidir criar, com Woz, sua própria empresa.
Em mais uma conexão com a contracultura, Jobs teria tido um
relacionamento de curta duração com a cantora folk Joan Baez,
ex-namorada do ícone da música Bob Dylan, talvez o maior ídolo do
empresário.
Casado com Laurene Powell desde 1991, Jobs deixa quatro filhos: Reed
Paul, Erin Sienna, e Eve, nascidos de seu relacionamento com Laurene, e
Lisa Brennan-Jobs, de um relacionamento anterior com a pintora Chrisann
Brennan.
Fonte: g1.com.br